Efeito Trump: veja o que o governo estuda para ajudar empresas afetadas pelo tarifaço sem impacto fiscal

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Haddad afirma que governo brasileiro segue disposto a um entendimento, mas se prepara para efeitos do tarifaço — Foto: Cristiano Mariz/Agência O Globo

Ainda sem perspectivas de avanço nas negociações com os Estados Unidos contra a taxa de 50% imposta por Donald Trump contra o Brasil, o governo Luiz Inácio Lula da Silva trabalha em saídas para socorrer empresas brasileiras potencialmente afetadas pela medida, prevista para entrar em vigor em 1º de agosto.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, mencionou, em entrevista à CBN ontem, a possibilidade de um “plano de contingência”. Isso pode incluir a criação de linhas emergenciais de crédito, de acordo com auxiliares do presidente.

Na avaliação de integrantes do governo, é preciso garantir um financiamento emergencial a alguns setores, especialmente aqueles mais atingidos pelas tarifas de 50% contra produtos brasileiros. O entendimento é que seria difícil redirecionar toda a exportação, diante do volume, ou introduzi-la no mercado interno.

Auxiliares do presidente destacam que esse plano deve ocorrer em várias frentes. Uma delas é a procura urgente por novos mercados para escoar seus produtos, como México e Canadá. As empresas também negociam com os compradores a divisão do custo do imposto, especialmente em cargas que saíram do Brasil. Como os setores são diferentes entre si, as medidas são pontuais.

Fundo fora da regra fiscal

Pessoas que acompanham de perto as discussões afirmam que encontrar outros mercados, porém, é tarefa hercúlea. O motivo é que o mundo inteiro está sendo sobretaxado pelos EUA. Fazer cálculos sobre destinos das exportações brasileiras e estabelecer de onde trazer peças para o processo produtivo no Brasil são grandes dificuldades enfrentadas.

Indagado ontem sobre uma possível linha de crédito para os setores, Haddad disse que pode ser necessário “recorrer a instrumentos de apoio a setores que, injustamente, estão sendo afetados”.

Um modelo mencionado por técnicos do governo é o que foi adotado para mitigar os impactos das chuvas no Rio Grande do Sul, no ano passado. Naquele momento, foram liberados R$ 5 bilhões para alavancar empréstimos a juros mais baixos.

Agora, para fazer o mesmo, seria necessário editar um crédito extraordinário, ou seja, fora das regras fiscais, de acordo com o entendimento de parte dos técnicos.

Agora, o que está em estudo é criar um fundo específico para empresas afetadas pela crise. Esse fundo seria abastecido com crédito extraordinário (fora das regras fiscais) e usado como lastro para operação de crédito, de modo a reduzir a taxa de juros.

Uma sugestão que chegou ao governo é que sejam tomadas medidas que foram adotadas durante a pandemia. Na época, foram criados os programas Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda e de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe).

Em reunião com Alckmin, big techs defendem 'Pix' para todos — Foto: Brenno Carvalho/Agência O Globo

Em reunião com Alckmin, big techs defendem ‘Pix’ para todos — Foto: Brenno Carvalho/Agência O Globo

No primeiro caso, foi permitida a redução da jornada de trabalho e do salário, com o governo complementando a renda dos trabalhadores. Já o Pronampe ofereceu crédito, para que empresas de menor porte continuassem a operar.

Desde a semana passada, o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, vem se reunindo com representante do setor privado. De forma geral, os empresários pedem que o governo evite a retaliação e busque o diálogo. Nessas reuniões, o estrago para os produtores está sendo mapeado.

Se a opção for pela retaliação, o caminho deve ser pela quebra de patentes, cassação de direitos autorais e tributação de obras, como filmes e livros produzidos nos EUA. Aumentar tarifas de importação de produtos americanos é algo indesejado, pois pode prejudicar a produção nacional.

— Podemos chegar no dia 1º sem resposta? Esse é um cenário que nós não podemos, nesse momento, desconsiderar. Estamos considerando inclusive este cenário, mas não é o único cenário que está sendo considerado por nós — disse Haddad, reiterando que o Brasil continuará insistindo nas negociações.

Segundo ele, diante das incertezas externas, o governo trabalha com vários cenários e planos diferentes. Haddad diz que a equipe econômica estuda, inclusive, uma forma de calibrar a medida que será tomada, por exemplo, sem aplicar taxas aos bens de consumo americanos importados:

— Nesse plano de contingência, estamos exatamente levando à consideração do presidente os prós e contras de cada medida, porque tem medida que vai ferir mais a economia brasileira do que ajudar, e o nosso objetivo não é retaliar, é chamar atenção para o fato de que essas ações são contraproducentes, não colaboram nem com eles nem conosco.

Segundo o ministro, ainda não houve resposta das autoridades americanas aos contatos feitos pelo governo brasileiro para negociação.

— Vamos estar na mesa de negociação, mas não vamos deixar ao desalento os trabalhadores brasileiros, nós vamos tomar medidas necessárias. Mais da metade do que exportamos para os EUA nós podemos reendereçar para outros países, mas isso leva um tempo (…) Nós vamos redirecionar boa parte dessa produção, mas isso leva tempo — disse Haddad.

Em meio à mais grave crise em 200 anos de relações com os Estados Unidos, o governo Lula quer que o diálogo com os americanos se concentre exclusivamente no fim das tarifas a produtos do Brasil.

“Vamos estar na mesa de negociação, mas não vamos deixar ao desalento os trabalhadores brasileiros, nós vamos tomar medidas necessárias”, Fernando Haddad, ministro da Fazenda

A possibilidade de entrar nas negociações a ameaça de sanções a integrantes do Judiciário, com destaque para a cassação do visto de alguns ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), está descartada.

Contatos informais

Segundo interlocutores a par do assunto, os canais de negociação não estão totalmente fechados: já existem contatos informais entre técnicos dos dois países. No entanto, os funcionários do Escritório de Representante de Comércio (USTR, na sigla em inglês), órgão responsável pelas discussões comerciais com outros países, aguardam instruções expressas da Casa Branca para darem um passo adiante e reabrirem o diálogo oficialmente.

A crise entre Brasil e EUA escalou na última sexta-feira, quando o secretário de Estado americano, Marco Rubio, anunciou a suspensão dos vistos de várias autoridades brasileiras, entre as quais magistrados do Supremo Tribunal Federal (STF) e o procurador-geral da República, Paulo Gonet. Rubio citou, entre os alvos, o ministro do Supremo Alexandre de Moraes e seus “aliados e familiares”.

Dias antes, Trump alegou, entre motivos do tarifaço, a “perseguição” ao ex-presidente Jair Bolsonaro, a regulação de plataformas digitais americanas no país e a existência de déficit comercial nas transações com o Brasil que não existe. Os EUA são superavitários.

Integrantes do governo destacam a “serenidade” da reação dos magistrados do STF atingidos e avaliam que, neste momento, não é possível fazer uma previsão sobre o que acontecerá nos próximos dias. Há monitoramento em tempo real, afirmam.

Apesar da politização do tarifaço de Trump em relação ao Brasil, integrantes do governo destacam que outros atores internacionais estão sendo duramente afetados pelos EUA. São exemplos Japão, Coreia do Sul, Canadá e União Europeia.

— Em uma situação como essa, de agressão externa, o Ministério da Fazenda se prepara para todos os cenários. Então temos planos de contingência para qualquer decisão que vá ser tomada pelo presidente da República. Mas repito que o Brasil não vai sair da mesa de negociação — reforçou Haddad.

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