O presidente Lula (PT) durante evento de inauguração da fábrica da montadora GWM 15 de agosto de 2025 | 20:01
Lula diz que Brasil passa por turbulência desnecessária porque Trump criou imagem mentirosa
O presidente Lula (PT) disse nesta sexta (14) que o Brasil passa por uma turbulência desnecessária porque o presidente dos EUA, Donald Trump, criou uma imagem mentirosa sobre o país.
“A ideia de passar para o mundo que o Brasil é um país horrível para negociar não é verdade, e eu não posso admitir que o presidente de um país do tamanho dos EUA possa contar a quantidade de inverdades que ele tem contado sobre o Brasil”, afirmou Lula durante evento de inauguração da fábrica da montadora GWM.
“Não dá para a gente aceitar a criação de uma imagem mentirosa contra um país como o Brasil, que não tem contencioso no mundo”.
Lula disse que o governo brasileiro estava negociando desde março com os americanos, por isso ficou “injuriado” quando recebeu a notícia do tarifaço contra o Brasil.
Segundo ele, foram enviadas dez cartas tentando negociações. A última delas, no dia 16 de julho, quando o Brasil cobrou uma resposta. “A resposta que nós recebemos foi o aumento de 10% para 50% da taxação dos produtos brasileiros”.
Lula chegou a insinuar que vai buscar negociação na OMC (Organização Mundial do Comércio) no órgão internacional, desprezado por Trump, “para que o país [Brasil] seja tratado em igualdade de condições, para evitar que um país grande sufoque o pequeno.”
Em um discurso de cerca de 20 minutos, o presidente voltou a enfatizar a luta do grande contra o pequeno, alçou o tom da voz sobre o suposto desprezo dos países ricos contra o terceiro mundo e usou mais de um exemplo para citar o orgulho brasileiro.
É um discurso para o público interno. Uma tentativa de capitalizar a briga com Trump para buscar aumento de popularidade de seu governo e do próprio índice de aprovação. A última pesquisa do Datafolha mostra que 50% dos entrevistados desaprovam o trabalho do petista, enquanto 46% aprovam. São 29% os que consideram o governo ótimo ou bom e 40% ruim ou péssimo.
Em Iracemápolis, deu certo. Cada vez que ele fazia isso, os aplausos eram efusivos de dirigentes sindicais, políticos e funcionários da fábrica.
“Estamos vivendo uma situação que não deveríamos viver. Se tem uma coisa que o Brasil sabe fazer é negociar. O companheiro Geraldo Alckmin [PSB] foi governador de São Paulo por 16 anos e sabe negociar”, disse, referindo-se ao seu vice e ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio.
Mais cedo, Alckmin havia dito o investimento da GWM é prova de que o Brasil é um bom parceiro comercial.
Embora tenha revisitado sua história de pobreza na infância, falado sobre salário mínimo e diminuição da fome no país, grande parte do discurso de Lula durante o evento em Iracemápolis foi uma resposta a Trump.
Ele afirmou também que o Brasil é uma democracia em que os direitos humanos são respeitados, ao contrário do que dizem os EUA, e listou os motivos pelos quais o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) —que tem sido defendido por Trump— está sendo julgado pelo STF (Supremo Tribunal Federal).
“Ele não está sendo julgado por nenhuma acusação da oposição, de nenhum empresário, de nenhum deputado. Ele está sendo julgado por delação dos seus pares em função de uma tentativa de golpe que ele tentou dar no dia 8 de janeiro de 2023”, afirmou Lula.
O presidente afirmou ainda que a acusação também considera a tentativa de assassiná-lo antes da posse, entre outros crimes.
“Ele está sendo julgado porque ele colocou, junto com os seus comparsas, um caminhão com bomba no aeroporto de Brasília, na perspectiva de causar um verdadeiro desastre para evitar a posse do presidente eleito”.
PREFEITA CONSTRANGIDA
As citações a Bolsonaro colocaram o holofote sobre uma das anfitriãs do evento, a prefeita de Iracemápolis, Nelita Michel Franceschini, 52. Ela aplaudiu de maneira discreta alguns trechos do discurso de Lula. Em outros, o constrangimento era aparente.
A primeira prefeita da história da cidade é do Partido Liberal, o mesmo de Bolsonaro. Em sua conta nas redes sociais, ela tem mais de uma foto com o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), que não compareceu à inauguração da fábrica da GWM, apesar de ter feito parte de todo o processo de negociação com a matriz.
Nelita citou Lula uma vez em seu agradecimento e foi citada por ele, mas chegou a baixar a cabeça quando o presidente falou sobre Bolsonaro, sem citar nominalmente o adversário. Voltou a falar que ele é julgado por delação, e não por perseguição dos adversários.
Em outros momentos, a prefeita fechou a cara enquanto o presidente da República era aplaudido. Duas vezes coçou a cabeça e fez uma careta enquanto Lula falava.
Formada em serviço social e com MBA em Gestão de Pessoas e Estratégias, Nelita foi eleita com 62% dos votos em 2024.
“Logo ao assumirmos, recebemos a notícia da saída da Mercedes”, disse, citando a companhia alemã que deixou o país e depois venderia a fábrica para a GWM.
Nesta sexta, ela recebeu doação de R$ 500 mil da fábrica chinesa para investir na educação da cidade. Ela não foi chamada para acionar o botão de início simbólico dos trabalhos da fábrica, ao lado de Lula e Alckmin.
Tarcísio tem evitado dividir palanque com Lula com a aproximação da eleição presidencial de 2026. Na última vez em que estiveram juntos em uma cerimônia, o governador foi vaiado por uma plateia arregimentada pelo Partido dos Trabalhadores em 27 de fevereiro. Os dois participaram do lançamento do edital para a construção do túnel imerso ligando Santos e Guarujá.
Nos discursos, os dois prometeram trabalhar juntos, acima de questões partidárias.
Alex Sabino/Folhapress